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Em tempo de Covid-19, não deixar ninguém para trás

Por Bernardo Mançano Fernandes* ler

29 de abril de 2020 - 19:23

Desde o inicio da pandemia, a UNESCO tem promovido diversas videoconferências para debater os desafios da educação em países de todos os continentes. Esses debates, em escala mundial, possibilitam conhecer como governos, universidades e escolas estão trabalhando com o isolamento social provocado pela Covid-19.

São 191 países com escolas e universidades fechadas e 90% dos estudantes do mundo estão em quarentena por causa da pandemia da Covid-19 (Figura 1). Somente na América Latina e Caribe são mais de 156 milhões de estudantes.


Fonte: https://en.unesco.org/covid19/educationresponse, 17 de abril de 2020

Estamos tratando de um processo sem precedentes, que gera incerteza e exige de todas e todos o compartilhamento das responsabilidades. Professoras e professores, alunas e alunos, mães e pais, reitoras e reitores, diretoras e diretores, coordenadoras e coordenadores, todas as pessoas devem estar envolvidas na construção de propostas de atividades educacionais durante e depois da pandemia.

A UNESCO está tratando desta questão tomando como referência a Agenda 2030, com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS (Figura 2), que tem como compromisso não deixar ninguém para trás.

Não deixar ninguém para trás na efetivação dos 17 ODS é o nosso grande desafio. Para conhecer melhor quem está ficando para trás, a Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou o documento “O que significa não deixar ninguém para trás? Uma estrutura para implementação”.

O referido documento apresenta cinco fatores, detalhados a seguir, que combinados deixam as pessoas para trás, excluindo-as da participação integral do desenvolvimento.

Discriminação: preconceito com gênero, etnia, idade, classe, deficiência, orientação sexual, religião, nacionalidade e status indígena ou migratório;

Geografia: isolamento espacial, vulnerabilidade, privação ou desigualdade com base na área de residência das pessoas;

Governança: instituições ineficazes, injustas, exclusivas, corruptas, irresponsáveis. Leis, políticas e orçamentos desiguais, discriminatórios ou regressivos;

Status socioeconômico: desvantagens em termos de renda, expectativa de vida, escolaridade, direitos do trabalho, acesso a alimentação saudável, educação, saúde, energia, água potável e saneamento, proteção social etc;

Choques e fragilidade: vulnerabilidade e exposição aos efeitos das mudanças climáticas, riscos naturais, violência, conflito, desterritorialização, crises econômicas e outros tipos de choques.

Cada componente de um fator está relacionado aos componentes de todos os fatores por meio de suas transversalidades. A Figura 3 ilustra que na interseção dos cinco fatores estão as pessoas que enfrentam privações e desvantagens.

Fonte: What does it mean to leave no one behind?
A framework for implementation

Para superar essas condições, são necessárias políticas públicas que promovam os ODS. Estudar os microdados dessas políticas é uma forma de conhecer quais grupos sociais foram incluídos e quais ficaram para trás. A participação nas políticas públicas das pessoas que estão sendo deixadas para trás é fundamental para a tomada de decisões, para a criação de espaços inclusivos que transformem suas realidades em condições dignas de vida. São essas políticas participativas, com referências nos ODS, que precisam ser direcionadas para apoiar ações que não deixam as pessoas para trás.

No mundo, 793 universidades mantêm acordos de cooperação com a UNESCO por meio de cátedras temáticas e estão comprometidas com a Agenda 2030. A UNESP, por exemplo, mantém a Cátedra UNESCO de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial e está alinhada com vários ODS.

Recentemente, a UNESP se destacou em diversos ODS através do trabalho de pró-reitorias, unidades, programas de pós-graduação e cursos de graduação. Destacam-se as políticas de ações afirmativas e de Permanência Estudantil, o Projeto Capes PrInt Unesp, que foi organizado a partir dos ODS, o Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), o Programa Educando para a Diversidade e o ecossistema de inovação criado em torno da Agência Unesp de Inovação (AUIN).

A partir das videoconferências realizadas nos dois últimos meses, conhecendo as realidades educacionais de diversos países de alta, média e baixa renda, organizamos um conjunto de propostas para ser debatido, tomando como referências as nossas realidades.

Reforçando que nossa prioridade é contribuir com uma Educação de Qualidade (ODS de número 4) na quarentena da pandemia da Covid-19.

Primeiro ponto: a construção de propostas deve promover a edição de medidas institucionais que garantam a participação das pessoas em todo o processo.

Neste momento de incerteza é fundamental produzirmos e compartilharmos nossas próprias informações desde nossas experiências de trabalho para minimizar a insegurança.

Os procedimentos de levantar e sistematizar dados em todas as escalas institucionais auxiliarão na elaboração de medidas e tomadas de decisão.

Levantamento e análise de dados das situações de todas e todos, análise e debate devem ser realizadas com a participação de todas as instâncias.

Devemos acompanhar as medidas dos governos competentes em todas as instâncias para sustentar nossas decisões.

O tempo de duração da quarentena é incerto. O isolamento social é formado por vários espaços e é preciso conhecê-los para a elaboração de propostas durante este período.

Também precisamos pensar quais espaços devemos criar durante e depois da quarentena.

Durante a quarentena a criação de espaços virtuais são possibilidades parciais, considerando que há estudantes que não possuem espaços onde estudar ou wifi e/ou computadores.

Editais de governos e universidades podem financiar o acesso à internet e aquisição de computadores para estudantes, considerados recursos essenciais para estudo e pesquisa.

Garantir a continuidade da alimentação escolar, através de políticas de produção de alimentos saudáveis produzidos nas microrregiões e entregues nas casas das famílias e/ou de estudantes.

Durante a pandemia é vital fortalecer ainda mais os circuitos curtos de produção e comercialização de alimentos saudáveis.

Atividades virtuais ajudam a conhecer as realidades das pessoas envolvidas em todos os lugares.

Atividades virtuais também podem ser usadas para formação de docentes no uso de plataformas, trocas de experiências entre docentes e discentes.

Retomar as aulas durante a quarentena só é possível por meios das atividades virtuais. Reafirmamos que essas atividades são parciais e emergenciais, que contribuirão com a retomada das aulas presenciais.

Os modos, tempos e conteúdos das aulas virtuais devem ser organizados de acordo com os programas de ensino. Podem ser gravadas, online, mistas, dependerá das ferramentas e condições de cada grupo de docentes e discentes.

A reorganização dos calendários escolares poderá ocorrer várias vezes, de acordo com o transcorrer da quarentena. A incerteza tem que ser usada com objetividade para ser transformada em segurança no desenvolvimento das atividades.

Diálogos em todas as instâncias, tomadas de decisões conjuntas e institucionais são condições para o desenvolvimento das atividades.

Os conteúdos das atividades virtuais não podem ignorar os desdobramentos da pandemia. É muito importante debater as mudanças dia-a-dia.

Não é tempo de usar avaliações convencionais, tipo prova individual, mas sim avaliações participativas reunindo conteúdos diversos das áreas do conhecimento e das realidades em movimento.

É tempo de criatividade, solidariedade, diálogo, conectividade espacial, com cada pessoa em sua casa.

Depois da quarentena, necessitaremos de um bom planejamento espacial para as aulas presenciais. Todos os espaços das escolas e universidades precisarão ser organizados de acordo com as distintas densidades populacionais.

Criar medidas imperativas para a proteção da vida de todas e todos é parte principal do planejamento espacial na preparação da volta às aulas presenciais e às pesquisas laboratoriais e de campo.

A reorganização definitiva do calendário escolar, considerando as atividades virtuais, deverá atender à diversidade de condições e planejar o futuro a partir do tempo lento da pandemia, evitando atropelos, mas tratando devidamente dos casos de emergência nos diferentes tempos da escolaridade.

Neste momento, a atenção aos distintos problemas evitará de deixar alguém para trás.

Reforçando que as decisões não devem ser tomadas no afã de soluções fáceis, mas sim de maneira responsável, tendo com meta a qualidade da educação.

O planejamento espacial revelará que teremos que multiplicar nossos tempos, mas sem sobrecarga de trabalho, para não afetar a saúde dos docentes e discentes.

Professoras e professores dos grupos de risco do novo coronavírus devem ser preservados e podem dar aulas através de atividades virtuais.

Os planejamentos espaciais e temporais poderão multiplicar os trabalhos docentes. Uma saída possível é dilatar o calendário escolar sem prejudicar demais a turma do próximo ano.

Depois da quarentena, o diálogo e a criatividade serão essenciais para o desenvolvimento regular das atividades de estudos e pesquisas.

É esperado que todas e todos nós aprendamos com a pandemia, que compreendamos que é preciso mudar o mundo, diminuir a intensidade, a velocidade, a concentração, a desigualdade.

É preciso aumentar a solidariedade, a equidade, olhar para o futuro e ver a natureza preservada, as pessoas saudáveis. Olhar para o passado para aprender que é preciso continuar o desenvolvimento sustentável e não deixar ninguém para trás.

*Bernardo Mançano Fernandes é coordenador da Cátedra UNESCO de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial e professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), no câmpus de Presidente Prudente, e professor do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI), da Unesp


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