O Prefeito de Marília já recebeu, segundo consta do Portal da Transparência, R$761.211,68 (setecentos e sessenta e um mil duzentos e onze reais e sessenta e oito centavos) líquidos do subsídio referente ao cargo. Reajuste aprovado na Câmara no ano passado, que elevou o valor bruto a R$22 mil, já foi incorporado aos últimos dois pagamentos de 2022 e o Decreto (ou Ofício?) de renúncia nunca foi publicado, como prometido.

A Câmara de Marília aprovou no dia 13 de dezembro de 2021, o Projeto de Lei (PL) 203/21 que fixava reajuste de subsídios (salários) para o prefeito, vice-prefeito e secretários municipais. O salário do prefeito Daniel Alonso (PSDB) passou, então, de R$ 17.529,50 para R$ 22 mil.

Com isso, foi publicada em Diário Oficial do Município, no dia 15 de dezembro, a Lei nº 8.772/2021, determinando esses e outros valores a serem percebidos a partir de 1º de janeiro desse ano.

Art. 1º. O subsídio mensal do Prefeito Municipal de Marília, em parcela única, é fixado em R$22.000,00 (vinte e dois mil reais).

Renúncia (?)

No mesmo dia, com o possível intuito de minimizar efeitos da opinião pública a um reajuste de 25,5%, irreal para qualquer outro trabalhador, ainda mais em se tratando de tal aumento em plena pandemia da covid-19, parte da imprensa local recebeu e publicou informações em que o prefeito Daniel tinha assinado um Ofício renunciando a esse aumento (veja no Marília Notícia, Hora H, Visão Notícias e Jornal do Povo, por exemplo).

Esse Ofício nunca foi tornado público, muito menos publicado em Diário Oficial. No entanto, conforme estabelece a própria Lei publicada naquela data, essa renúncia deve ser feita por Decreto, que também nunca foi publicado.

Art. 1º. Parágrafo único. O Prefeito Municipal poderá renunciar o valor fixado neste artigo, estabelecendo por decreto, qualquer valor inferior a este, a título de seu subsídio mensal.

Uma outra renúncia do próprio subsídio foi anunciada em abril de 2020 (início da pandemia), também publicada em parte da imprensa local, além do site oficial da Prefeitura de Marília.

A Prefeitura de Marília informa que enquanto durar a pandemia do coronavírus, o Prefeito Daniel Alonso fará o corte integral do seu salário para o combate à doença.

Em suas próprias palavras:

Vamos enfrentar momentos difíceis por conta da crise e precisamos fazer gestos de extrema economia no poder público, vamos iniciar por quem lidera.

Consultando o próprio site do Poder Público em questão, ficamos com a dúvida se estamos frente a um ato de altruísmo digno de reconhecimento, ou de mais um registro da característica demagogia dos políticos.

Acesso à informação pública

O Portal da Transparência da Prefeitura de Marília traz, conforme manda a legislação, a remuneração mensal dos servidores públicos (servidores, empregados públicos e agentes políticos ativos), incluindo o prefeito.

Em pesquisa que qualquer cidadão pode realizar nesta área do Portal da Transparência é possível verificar que o chefe do Executivo de Marília recebeu seu subsídio do cargo ininterruptamente até a presente data. Inclusive o recebe desde o início da pandemia, além de constar o aumento de 25,5% nos meses de referência a janeiro e fevereiro de 2022.

Renúncia é o abandono de direito por seu titular, sem o transferir a terceiro. No entanto, o prefeito parece não ter abandonado alguns direitos, como é possível perceber na diferença entre os valores brutos e os valores líquidos divulgados.

Essa diferença pode ser referente a Previdência Social, Imposto de Renda Retido na Fonte, pensão alimentícia, faltas, ausências, empréstimos bancários, sindicatos, associações, convênio médico e odontológico, seguros de vida, descontos judiciais etc. Ou seja, benefícios não renunciados.

O comprometimento do valor bruto com esses possíveis descontos variou de 24,81% a 47,96%, até agora, durante o mandato. Esse valor, hoje, é de 26,28%.

Valores

De acordo com o Portal da Transparência, Daniel Alonso recebeu, em 2022, já com o aumento aplicado aos vencimentos, R$32.437,56 (trinta e dois mil quatrocentos e trinta e sete reais e cinquenta e seis centavos) líquidos.

Desde o início da pandemia, quando também anunciou uma suposta renúncia do salário de prefeito, o valor líquido é de R$291.472,39 (duzentos e noventa e um mil quatrocentos e setenta e dois reais e trinta e nove centavos).

Outro lado

Desde o início da pandemia, quando houve o primeiro anúncio de corte do próprio salário, Daniel Alonso tem dito à imprensa e em vídeos em seus perfis nas redes sociais que abriu mão desses valores, assim como diz sempre ter feito, repassando-o, às vezes em valores superiores, à esposa Selma Regina Mazuqueli Alonso, hoje presidente do Fundo Social de Solidariedade de Marília, cargo filantrópico-administrativo na Prefeitura:

“Eu abri mão em 100% [do salário] e tenho como provar que não existe um centavo dele bloqueado. 100% disponível. E no primeiro pagamento que entrar em vou mostrar o cheque integral. (…) Eu faço a doação de 100% do meu salário, que já é doado, sempre foi doado”, diz Alonso e uma de suas lives.

Em outra ocasião, em entrevista ao portal Visão Notícias, o prefeito confirmou o corte do próprio salário, destinando esse valor “para o combate ao Covid-19 (novo coronavírus)”. Ao site ele afirmou:

“Posso lhe abrir que minha esposa gasta meu salário em dobro só com cestas básicas, muito antes de eu pensar em política”.

Ele “confidenciou” ao portal que já doava seu salário para as obras assistenciais e que aquela medida destinaria os valores de seu salário às ações realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde.

Para além desses anúncios de compromisso, não houve divulgação dessas benfeitorias com o próprio subsídio, publicação do que chamou de “cheque integral” ou qualquer outra ação que o valha.

O Marília do Bem tentou entrar em contato com a assessoria de imprensa da Prefeitura e questionou qual foi, de fato, o meio adotado pelo prefeito Daniel Alonso para a renúncia legal conforme anunciado, levando em conta tudo o que explicamos.

Entretanto, até o fechamento desta matéria, não obtivemos nenhuma resposta. O espaço continua aberto para esclarecimentos.

Sistema “bugado”

Desde o dia 17 de dezembro, os sites e sistemas da Prefeitura apresentaram problemas de acesso devido à troca da empresa responsável pela manutenção dos programas e dados, o que provocou um verdadeiro caos em diversos serviços públicos locais.

A Etherium Technology Eireli assumiu o serviço no fim do ano passado, mas não vinha conseguindo colocar para funcionar de modo satisfatório os programas de computador relacionados à administração do município.

Após a Corregedoria Geral da Prefeitura determinar a suspensão de dois contratos com a empresa e a Prefeitura mover uma ação na Vara da Fazenda Pública, da Justiça Estadual, os sistemas parecem ter voltado ao funcionamento.

Com isso, somente no final da tarde dessa última sexta-feira, 4 de março, nossa reportagem conseguiu ter acesso à área do Portal da Transparência em que é possível realizar a consulta da remuneração mensal dos servidores.