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Com metas sustentáveis, F1 esbarra na logística do calendário
Categoria deve ter maior temporada da história em 2023 e enfrenta impacto ambiental. ler
Temporada vai, temporada vem e a F1 segue dando voltas ao mundo. Em 2023, não será diferente – e, de bônus, a categoria terá o maior calendário de sua história, com 23 corridas confirmadas. E com um cronograma tão extenso, a logística é outro fator que pode potencializar o cansaço físico de pilotos, equipes e funcionários do esporte.
Nove dos 23 GPs estão situados na Europa, mas a disputa da F1 não é regionalizada. Entre os GPs da Espanha e da Áustria, por exemplo, há uma visita às Américas para o GP do Canadá. Nesta matéria especial, o Globo Esporte mostra como as idas e vindas também vão de encontro a uma meta sustentável da categoria: tornar-se carbono zero até 2030.
A F1 retorna neste domingo com o GP do Bahrein, dando início à maior temporada da história, com 23 etapas previstas.
Vai e volta
É possível agrupar as 23 corridas de 2023 em três regiões: Américas, Europa, e Ásia-Oceania. Entretanto, o calendário não é segmentado de modo a reduzir os deslocamentos intercontinentais.
Um exemplo? Na quinta etapa da temporada, no GP de Miami, a categoria vai viajar aos Estados Unidos entre duas corridas na Europa/Ásia – o GP do Azerbaijão e o GP da Emilia-Romagna.
A nona etapa vai provocar mais uma viagem da F1 sobre o Atlântico, com o GP do Canadá entre as etapas da Espanha e da Áustria. A reta final do calendário também será marcada por longos deslocamentos: pilotos, equipes e funcionários sairão do Brasil rumo a Las Vegas e, na sequência, irão para Abu Dhabi.
O Oriente Médio, para citar outro exemplo, vai receber a primeira e a última etapas do calendário, com os GPs do Bahrein e de Abu Dhabi. A região também será casa para o GP da Arábia Saudita (segundo do ano) e o GP do Catar (18º).
Rodando e rodando
Com o auxílio da calculadora da Organização da Aviação Civil Internacional, o Globo Esporte simulou viagens aéreas comerciais diretas – ou com o menor número possível de escalas – entre as 23 sedes da F1 2023. Em sete ocasiões, a distância entre dois pontos do calendário supera a casa dos 10 mil km.
A maior diferença é entre os GPs de Las Vegas e Abu Dhabi, penúltima e última corridas da temporada, respectivamente: 14.064km. Na prática, a viagem mais cansativa ficou para o fim deste que já é o maior cronograma da história da F1.
Mas o início de temporada também não é necessariamente tranquilo. Entre os GPs da Arábia Saudita e da Austrália, são mais de 13 mil km.
Há, ainda, um adendo: entre muitos desses deslocamentos, parte das equipes que trabalham na categoria – nos times e na própria F1, sem contar jornalistas e outros profissionais – retorna à Inglaterra.
E pensar no deslocamento da F1 não envolve apenas o pessoal. Existe ainda a necessidade de trabalhar com o envio dos carros e equipamentos de um circuito para o outro. Boa parte dos materiais viaja de navio em contêineres, uma alternativa mais sustentável. Mas muitos aviões de carga ainda são demandados para transportar toneladas de equipamentos, incluindo todos os carros.
O campeonato de 2023 terá uma rodada tripla: GP dos Estados Unidos, em 22 de outubro; GP do México, em 29 de outubro; e o GP de São Paulo, em 5 de novembro. Em menos de 100 horas, incontáveis toneladas de equipamento serão transportadas pela estrada e, no caso de corridas fora da Europa, pelo ar e pelo mar.
Em uma semana, as equipes de logística se dividem para organizar duas corridas praticamente ao mesmo tempo. Parte do time responsável pela primeira etapa se deslocará, em seguida, para os preparativos do terceiro GP – e antes mesmo do vencedor da primeira corrida subir ao pódio.
E a regionalização?
A solução pode parecer óbvia: ora, para diminuir as distâncias das viagens, não é só regionalizar o calendário? O agrupamento de etapas é um objetivo da F1 até 2030, conforme revelado no primeiro relatório de sustentabilidade da categoria, em 2019. Todavia, há empecilhos consideráveis, como o clima.
No verão do hemisfério Norte, de junho a setembro, é mais difícil promover etapas no Oriente Médio. Um bom exemplo é a Copa do Mundo de futebol, que costumeiramente acontece em junho/julho. Na edição de 2022, o forte calor do Catar (país-sede) no período fez com que a Fifa realocasse o torneio para novembro/dezembro. Visitar a Europa antes de abril ou depois de outubro também traz complicações, mas pelo frio.
Outra barreira parte dos organizadores das etapas. Devido a feriados ou datas especiais, pode haver exigências para a realização de corridas em momentos específicos do ano. No fim de 2022, a imprensa britânica noticiou que a F1 tentava mover o GP do Japão de outubro (temporada de tufões) para abril, aproveitando a primavera e a natureza locais. A proposta foi rejeitada.
O GP de São Paulo, etapa brasileira da categoria, tem buscado aproximar suas datas de feriados em novembro. Na temporada passada, a corrida foi no fim de semana anterior à Proclamação da República (15 de novembro). Neste ano, a etapa em Interlagos será três dias depois do Dia de Finados (2 de novembro).
“É algo difícil de administrar. Há logística envolvida nas cidades, a economia envolvida de acordo com a data e a parte da emoção: ‘Esse sempre foi nosso feriado!’. É preciso equilibrar essas considerações.”
“Como podemos ter essa conversa com os organizadores, para que entendam o impacto que terão ao nos permitir mudar a data da corrida? Como ajustamos contratos futuros para que tenhamos flexibilidade, ao invés de uma data ajustada? E como encaramos a própria data para definir a mudança mais impactante que podemos fazer? Precisamos de mais mudanças e isso é um fato” garantiu Ellen Jones, chefe de sustentabilidade da F1.
As pegadas de carbono
O desafio de agrupar as etapas do calendário está posto – e a F1 prometeu se esforçar em prol de maior sustentabilidade. Em 2019, a categoria emitiu cerca de 256 mil toneladas de CO², com quase metade (45%) vinda da operação logística. Mais 27,7% vieram de “viagens de negócios”, assim como o impacto da rede hoteleira para funcionários das equipes de F1 e de patrocinadoras das etapas.
A “contagem regressiva” da F1 começa em 2026, ano da instauração de um novo regulamento de motores, com metas arrojadas até 2030. A categoria quer carros de corrida com zero emissões líquidas de carbono, mas também “viagens e logística ultraeficientes”. A F1 ainda mira trabalhar em instalações 100% renováveis, além de compensar sua pegada prévia e investir em programas de sequestro de carbono.
Em janeiro de 2022, a F1 contratou a primeira diretora de sustentabilidade da categoria. Também foram introduzidas operações remotas para transmissões, com menos pessoal nos circuitos. Além disso, a categoria remodelou contêineres de carga para usar aviões que consomem menos combustível e, por consequência, emitem menos carbono.
Laboratório para tecnologias que serão adotadas por fabricantes em carros de passeio, a F1 agora almeja o desenvolvimento de um combustível 100% sustentável, a ser usado pela elite daqui a três anos.
Mas não é muita corrida?
Ao Globo Esporte, em novembro de 2022, Lewis Hamilton se disse “em conflito” com as 24 corridas então previstas para 2023 – por um lado, correr é o grande prazer dos pilotos; por outro, o calendário é extenso. O número caiu com o cancelamento do GP da China, mas a dúvida do heptacampeão segue válida: quantas corridas são corridas de mais?
Em 1950, na primeira temporada da história da Fórmula 1, o cronograma teve apenas oito etapas. Dos meados da década de 70 até 1997, o número teve pequenas alterações, mas ficou entre 15 e 17. A categoria ultrapassou a casa dos 20 GPs pela primeira vez em 2012.
Em 2020, a previsão era de que – pela primeira vez – 22 corridas fossem disputadas, mas a pandemia do coronavírus reduziu o número para 17. Esta foi a única temporada com menos de 20 etapas desde 2015. Um calendário de 22 corridas de fato estreou em 2021, sendo mantido para 2022 em razão do cancelamento do GP da Rússia, consequência da invasão à Ucrânia.
Para a temporada que se aproxima, a F1 divulgou que chegaria ao teto do Pacto de Concórdia (acordo que rege a categoria): 24. Com o cancelamento e a não substituição do GP da China, o número diminuiu para 23, mas segue o maior de todos os tempos.
*Obs.: As distâncias citadas nesta matéria foram estabelecidas pela calculadora da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI). Essa é a ferramenta oficial utilizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para quantificar a pegada ambiental da aviação pelo mundo.
Fonte: Globo Esporte – Rio de Janeiro