A Equação Venezuelana
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A atual situação da Venezuela é fruto da radicalização de dois modelos de sociedade. O primeiro deles emergiu nos anos 1990 em torno da classe política tradicional, a qual, devido ao rompimento do Pacto Ponto Fijo provocado pela crise econômica do fim dos anos 1980 e pela tentativa de golpe de Estado de 1992 liderado por Hugo Cháves, tratou de renovar-se. A opção escolhida para a renovação foi conectar o crescimento e o desenvolvimento econômico e social do país ao relacionamento bilateral com os Estados Unidos, principalmente via exportação de petróleo e a importação de bens industriais e serviços, o que significou cumprir à risca o receituário neoliberal.
Este novo pacto social, econômico e político substituto do Ponto Fijo gerou benefícios econômicos para dirigentes do país, grupos do setor financeiro e do comércio varejista, bem como grupos de interesses privados envolvidos na produção e na comercialização do petróleo. Em torno deles emergiu uma classe média tradicional, a qual contribuiu para amalgamar interesses relevantes com pretensões hegemônicas de longa duração sobre os destinos da Venezuela.
Enquanto isto a maioria da população foi relegada ao ânimo do mercado globalizado orientado pelo mantra do neoliberalismo. Quando ele entra em crise sistêmica no final dos anos 1990, o modelo se dissolveu e produziu desigualdade social generalizada. Em 1999, a pobreza entre os venezuelanos girava em torno de 49% da população. A ausência de esperança no futuro permitiu à oposição liderada por Hugo Chávez canalizar o descontentamento popular e traduzi-lo em votos durante os processos eleitorais.
Ao conquistar o poder, Chávez, por um lado, radicalizou o modus operandi da democracia representativa com a finalidade de concentrar poder. E, por outro lado, criou políticas públicas paliativas com recursos do petróleo exportado aos Estados Unidos. Focalizou a distribuição de benesses econômicas e sociais em massas populacionais excluídas e de significativas densidades eleitorais. Colheu como resultado o apoio popular doméstico e a perpetuação no poder com a indicação do seu sucessor Maduro nos instantes finais da sua vida e a consolidação de um modelo alternativo de sociedade chamado bolivarianismo, o Socialismo do Século XXI. Legou a Venezuela uma sociedade rachada, cada parte defendendo seus interesses.
Os Estados Unidos toleraram a situação devido a simbiose de interesses recíprocos em torno do comércio de petróleo. O chavismo é inconveniente, mas cumpre contratos. Contudo, a crise de 2008 diminuiu a voracidade estadunidense pelo petróleo da Venezuela. A arrecadação desabou e a capacidade de importar produtos para distribuir aos mais pobres ficou prejudicada. O descontentamento popular ampliou-se. A oposição chavista percebeu o momento de fraqueza do governo e convocou a população às ruas para pedir a renúncia de Maduro.
O governo venezuelano reagiu convocando as milícias bolivarianas e a população dependente dos programas governamentais para defender a “revolução bolivariana” contra os Estados Unidos e a elite doméstica. Adotou como medidas práticas a expulsão de “diplomatas” norte-americanos por incentivo a sublevação popular, prendeu o líder da oposição Leopoldo Lopéz, ameaçou retirar a CNN do ar e enviou o Exército para conter as manifestações anti-govenro.
O silêncio dos Estados Unidos indica que as escolhas do caminho da Venezuela diante da complexa equação será definido pelo resultado das disputas entre os modelos de sociedade em choque, o que tenderá a ampliar o atual “palco de guerra”. Os Estados Unidos estão deixando a Venezuela e a América do Sul a própria sorte. O que exigiria do Brasil uma atuação mais contundente em busca da intermediação de uma solução, como ocorreu em 2002. Até porque, hoje, o país tem muito mais a perder do que no passado. Deve-se lembrar que a Venezuela já é a principal parceiro comercial do Brasil na região. O desarranjo venezuelano pode gerar um tsunami para setores empresariais do país, principalmente empreiteiras (R$ 2 bilhões em dívidas), com impacto negativos sobre o BNDES e, portanto, sobre o tesouro nacional. Mais do que nunca, a diplomacia brasileira precisa agir.